- ATENÇÃO, os fatos descritos nesta série de artigos seguem pesquisas apuradas na internet, tendo como base de dados reportagens da época, investigações policiais e denúncias do Ministério Público, e podem incomodar os leitores mais sensíveis –
- Ediwilson dos Santos –
Paulo
Ferreira Camargo, de 26 anos, era um jovem químico e professor da prestigiada
Universidade de São Paulo (USP). Homem de poucas palavras, conservava um ciclo
seleto de amigos no trabalho. Morava com a mãe, Benedita Ferreira de Camargo,
de 56 anos, e as irmãs Maria Antonieta, 23, e Cordélia, 19, na casa de número
104 da rua Santo Antônio, no centro da Capital. O pai havia morrido quando
Paulo ainda era adolescente e este se viu obrigado a se transformar no arrimo
da família.
Os
Ferreira Camargo eram a perfeita classe média paulistana: trabalhadora e
conservadora, principalmente a mãe, que era zelosa pela “honra” ao extremo.
Além de Paulo, a caçula Cordélia também tinha emprego. Era datilógrafa na
secretaria da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
A vida
pacata da família foi abalada quando Paulo conheceu a assistente de enfermagem
Isaltina dos Amaros, 23 anos. A rejeição da mãe e das irmãs pela namorada dele
começou depois que elas souberam que Isaltina já não era mais virgem, fato que
para a conservadoríssima dona Benedita era inaceitável.
O PLANEJAMENTO
Cansado
das discussões com a mãe e as irmãs, Paulo começou a planejar a morte delas
para viver livre o seu amor. Passou a realizar pesquisas de acústica e
balística, chegando até a disparar tiro dentro do laboratório da USP.
Questionado, ele alegou que estava analisando a dispersão da pólvora após o
disparo de arma de fogo.
Fez também análises químicas
sobre como corroer rapidamente um corpo humano, consultando, inclusive, o seu
tutor científico na USP sobre o assunto. Por fim, Paulo mandou construir um
poço no quintal da sua casa. Para não levantar suspeitar dos perfuradores, nem
da própria família, ele deu a desculpa de que iniciaria um negócio com adubos
orgânicos e que, para tanto, necessitava do poço.
O CRIME
Na manhã do dia 4 de novembro de
1948, uma quinta-feira, Paulo Ferreira Camargo matou a mãe com dois tiros nas
costas e executou a irmã Maria Antonieta com outros três tiros: um na nuca e
dois nas costas. Ele recarregou o revólver e, então, aguardou a caçula chegar
do trabalho para almoçar. Por volta das 12h, Cordélia entrou em casa e foi
assassinada com um tiro na nuca e outro nas costas.
Paulo cobriu as cabeças das suas
vítimas com pano preto, jogou os corpos no poço e o aterrou. À noite, segundo
especulações dos jornais da época, o assassino levou a sua namorada, Isaltina,
para dormir com ele na casa onde, horas antes, cometera crime tão bárbaro.
RASTROS E DESFECHO
Apesar
do planejamento meticuloso, Paulo deixou rastros do seu crime. No dia após o
triplo homicídio, ele telefonou para alguns amigos dizendo que junto com a mãe
e as irmãs fariam uma viagem de carro até o Paraná. Dias depois mandou notícias
dizendo que no trajeto ocorrera um acidente e as três não sobreviveram.
Paulo
retornou à São Paulo e o sumiço de Benedita, Maria e Cordélia começou a
levantar suspeitas na vizinhança, mesmo com a desculpa dele sobre o acidente na
estrada. A falta de confirmação das mortes e dos sepultamentos levou a polícia
a iniciar uma investigação junto aos amigos de trabalho dele e logo a
informação sobre o poço no quintal foi descoberta.
No dia
23 de novembro, policiais foram até a casa do suspeito, vasculharam os cômodos
e perguntaram sobre o poço. E Paulo não teve outra alternativa senão indicar o
local. A polícia chamou o Corpo de Bombeiros para escavar e, então, os corpos
foram encontrados, já em avançado estado de decomposição, com as cabeças para
baixo. Durante a escavação e já sabendo o que a polícia iria encontrar, Paulo
pediu ir ao banheiro e com o mesmo revólver com o qual matou mãe e irmãs,
cometeu suicídio. Um dos bombeiros que participou da escavação sem proteção
acabou morrendo por contaminação cadavérica meses depois.
O
desejo de viver livremente a sua paixão com Isaltina não foi a única motivação
especulada para o “crime do poço”. Jornais chegaram a noticiar que Paulo matou
a família ao se encontrar na situação de arrimo permanente. A mãe tinha câncer
em uma das pernas. Maria Antonieta era paralítica e tinha epilepsia e a irmã mais
nova, Cordélia, sofria de esquizofrenia.
A
repercussão do crime gerou tamanha comoção que o modernista Oswald de Andrade
escreveu o “Crime sem castigo”: “Com a violência da censura ancestral, Paulo
viu agigantar-se diante dele a família inútil. A psicogênese do crime
evidentemente já trabalhava em seu inconsciente. Chegou o momento em que ele
gritou ‘não!’ àquela pobre gente, que representava a incompreensão e o tabu das
velhas castas e dos superados preconceitos”. A série de cinco artigos,
publicada na Folha da Manhã entre os dias 11 e 16 de dezembro, foi um ataque
direto ao conservadorismo da sociedade brasileira.
TERRA AMALDIÇOADA
Aquele
trecho do centro paulistano, entre a avenida 9 de Julho e a Praça da Bandeira,
tem a fama de amaldiçoado. Bem antes do “crime do poço”, o local era usado como
pelourinho para punir selvagemente escravos. Alguns morriam de tanto apanhar.
Depois das mortes dos Ferreira de Camargo, falou-se muito em histórias de
assombrações e aquele pedaço da Capital foi todo demolido para a construção de
um corredor de ônibus e, no final dos anos 60 começou a ser construído um
edifício de 25 andares que, inaugurado em 1971, acabou incendiado três anos
depois, matando 187 pessoas: o Edifício Joelma.
Personagens da tragédia: Paulo e na foto abaixo, a mãe
e as irmãs Maria Antonieta e Cordélia (fotos da internet)