No Brasil, quem legisla sobre
impostos muitas vezes é quem menos sente seu peso. Essa distorção fica evidente
ao observar os dados da Câmara dos Deputados: enquanto o trabalhador comum tem
boa parte da sua renda comprometida com o Imposto de Renda (IR), os
parlamentares federais estruturam sua remuneração de forma a maximizar os
ganhos líquidos e minimizar a tributação.
Agora em 2025, o salário-base
(subsídio) de um deputado federal é de R$ 46.366,19, conforme o Decreto
Legislativo nº 172/2022. Mas esse valor representa apenas parte da realidade.
Somados os penduricalhos e benefícios, o total mensal pago aos parlamentares
pode facilmente ultrapassar R$ 93 mil e mais da metade disso não sofre
incidência de Imposto de Renda.
Os benefícios e
penduricalhos
De acordo com o Portal da
Transparência da Câmara, os deputados federais recebem:
Ø
Salário bruto (subsídio): R$ 46.366,19
Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP):
Ø
De R$ 30.788,66 (DF) a R$ 49.747,62 (Roraima)
Ø
Média nacional estimada: R$ 43.000,00/mês
Ø
Auxílio-moradia: R$ 4.253,00 (caso não ocupem
imóvel funcional)
Ø
Diárias de viagem: R$ 842,00 por dia
Ø
Ajuda de custo (início e fim de mandato): Cerca
de R$ 46.366,19
Ø
Assistência à saúde: reembolso integral das
despesas médicas e odontológicas mediante comprovação
A maioria desses valores é classificada como verba indenizatória, e por isso, não entra na base de cálculo do Imposto de Renda.
A crítica de quem
entende o sistema por dentro
Para o tributarista André
Charone, mestre em negócios internacionais e autor do livro “A Verdade sobre o
Dinheiro”, essa blindagem fiscal é uma das mais perversas formas de
desigualdade institucionalizada.
“Os parlamentares não estão
fazendo nada ilegal. Mas o problema está justamente aí: o sistema é legalmente
desenhado para protegê-los da tributação. A estrutura da remuneração dos
deputados e senadores é pensada para driblar o Leão dentro da lei”, aponta
Charone.
Segundo ele, o sistema permite
que o parlamentar receba quase o dobro do seu salário oficial, mas pague
imposto apenas sobre uma parte. “Enquanto o trabalhador salariado não tem para
onde correr tudo é tributado na fonte, os parlamentares vivem de um pacote de
benefícios que foge da lógica da progressividade tributária”, completa.
Comparativo: quem
paga mais imposto?
Charone destaca ainda: “Esses
números mostram que, no mundo dos políticos, quem ganha mais paga menos
proporcionalmente. Isso contraria os princípios mais básicos da justiça fiscal.
É como se o sistema dissesse que o esforço contributivo vale só para quem não
tem poder político.”
Reforma tributária
ignorou o topo da pirâmide
A Reforma Tributária avançou em
temas como unificação de tributos sobre consumo e taxação de fundos exclusivos,
mas, até o momento, não mexeu no regime de remuneração e benefícios do
Legislativo.
Para André Charone, isso
escancara uma falha ética e estrutural: “A elite política brasileira legislou
uma reforma para os outros — e manteve seus próprios privilégios intactos.
Nenhuma reforma será completa enquanto os que fazem as leis continuarem
protegidos delas.”
A situação vivida pelos deputados
federais evidencia uma verdade incômoda: o sistema tributário brasileiro não
trata todos os contribuintes com a mesma régua. Ao estruturar suas remunerações
por meio de auxílios e verbas indenizatórias legalmente isentas de Imposto de
Renda, os parlamentares podem conseguir ganhos mensais superiores a R$ 90 mil,
mas tributam efetivamente menos de metade desse valor.
Enquanto isso, o trabalhador
comum, o autônomo e o pequeno empresário, cujas rendas são rigidamente monitoradas
pela Receita Federal, não têm qualquer espaço de manobra. Toda a sua renda é
tributada na fonte, sem direito a reembolsos, auxílios ou gabinetes com
orçamento próprio.
Para o tributarista, essa é a
materialização do que ele chama de "paradoxo fiscal brasileiro": “Quem
tem mais renda, mais influência e mais acesso ao poder paga proporcionalmente
menos. E quem está na base da pirâmide, com renda fixa, pouca margem de dedução
e nenhum benefício institucional, sustenta o sistema.”
O efeito disso é uma perda de
confiança no sistema tributário, que passa a ser visto não como um instrumento
de equilíbrio social, mas como um mecanismo de perpetuação de desigualdades. A
consequência vai além da injustiça fiscal: compromete a credibilidade das instituições
e o próprio pacto federativo.
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