Decisão recente do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) corrigiu distorção histórica e reconheceu que é
legítima a soma das remunerações recebidas simultaneamente no Regime Geral
(INSS) e no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) para fins de cálculo da
aposentadoria. O tempo de contribuição não pode ser contado duas vezes, mas os
salários, sim. A Corte Superior, assim, reconheceu o direito dos chamados
trabalhadores de atividades concomitantes.
A mudança vai auxiliar quem mais
contribuiu: servidores públicos que também trabalharam no setor privado,
professores com jornadas dobradas, médicos que atuaram em hospitais públicos e
particulares, entre tantos outros. Gente que sustentou o sistema com seu
trabalho e sua contribuição — e, ironicamente, viu seus benefícios serem
calculados de forma reduzida por critérios burocráticos e incoerentes.
Até então, o INSS e muitos
regimes próprios vinham negando o direito de somar essas remunerações,
amparados em uma interpretação limitada da Lei 8.213/91. O resultado era a
frustração de milhares de segurados que, mesmo tendo contribuído para dois
regimes ao mesmo tempo, recebiam aposentadorias desproporcionais ao que
recolheram. A injustiça era escancarada, mas perdurou por décadas.
A decisão do STJ, portanto, não
cria um novo direito, apenas reconhece um que sempre existiu, mas vinha sendo
ignorado.
Vale citar um exemplo prático par
entender os efeitos da decisão. Uma professora que atua como servidora estadual
(RPPS) e, simultaneamente, leciona em uma escola particular (RGPS) poderá agora
somar os salários recebidos em ambos os cargos para compor o valor do
benefício. Antes da decisão, esse acúmulo não era permitido, mesmo com
contribuição regular em ambos os regimes.
A medida tem potencial para
impactar milhares de segurados que atuaram em múltiplas frentes, especialmente
servidores públicos com atividades paralelas no setor privado.
É uma reparação — e como toda
reparação, vem acompanhada da urgência: o prazo para revisar o benefício é de
até dez anos, no caso do INSS, e cinco anos para ex-servidores públicos. Muitos
não sabem disso. E é aí que mora outro problema.
Em um sistema previdenciário tão
complexo quanto o brasileiro, a falta de informação transforma o direito em
privilégio de poucos. Aqueles que podem pagar um advogado ou acessar uma boa
assessoria jurídica saem na frente. Já os segurados mais humildes, especialmente
aposentados do INSS, correm o risco de não usufruírem do que é legitimamente
seu.
Essa desigualdade é ainda mais
cruel quando lembramos que esses segurados já enfrentaram uma vida inteira de
dificuldades. São pessoas que trabalharam por 30, 35, 40 anos, muitas vezes em
jornadas dobradas, e que agora vivem com benefícios apertados, sentindo na pele
o peso do custo de vida e da negligência estatal.
O impacto fiscal da decisão será,
inevitavelmente, usado como argumento contra ela. Mas é preciso inverter a
lógica: não é o direito dos aposentados que desequilibra a Previdência, e sim a
má gestão, os privilégios concentrados no topo e a desinformação que impede
milhões de brasileiros de acessarem seus direitos. Corrigir a injustiça não
deveria ser exceção, mas a regra.
O STJ fez sua parte. Cabe agora à sociedade civil, aos advogados, aos sindicatos e à imprensa levar essa informação a quem precisa. E ao INSS, cumprir a decisão com agilidade e transparência, evitando novas violações. Quem contribuiu mais merece receber mais. Essa é a base de qualquer sistema justo — e precisa ser também a base da Previdência brasileira.
*Simone Lopes é advogada especialista em Direito Previdenciário
e sócia do escritório Lopes Maldonado Advogados
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